Criticar é pecado (ou é proibido) na SP-Arte

Silas Martí

Hoje é dia do jornalista. Na manhã de ontem, fui acordado com uma mensagem no celular. Era só uma fotografia de uma reportagem de outro jornal sobre a feira SP-Arte. A matéria, no caso, reproduzia em grande parte o release —texto publicitário enviado a jornalistas por assessores de imprensa— sobre este que é maior evento do mercado de arte da América Latina.

Na sequência, uma assessora da feira me perguntou se minha reportagem publicada no mesmo dia na “Ilustrada” não deveria ter saído junto a outro texto informando sobre a programação paralela à festa do mercado, assunto da reportagem de capa do último “Guia Folha”, que dedicou não só sua capa mas também outras dez páginas às mostras marcadas para a época da feira.

Meu texto publicado na primeira página do caderno de cultura falava sobre a polarização de opiniões políticas entre galeristas e artistas na SP-Arte. Os assessores do evento não podiam prever o teor da matéria, mas barraram meu acesso à feira nos dias da montagem, uma possível tentativa de censura. Suspeito que isso tenha a ver com a cobertura do jornal na última edição do evento, que questionou o uso de recursos da Lei Rouanet por parte da organização da feira, evento que costuma faturar R$ 30 milhões com a venda de estandes e gerar até R$ 300 milhões em negócios.

Nesta edição da SP-Arte, que vai até domingo, houve mais uma vez o uso de verbas incentivadas, agora na ordem de R$ 5 milhões. É uma prática nefasta em tempos de crise econômica. Jornalistas da concorrência estiveram presentes na montagem, enquanto eu fui barrado. Fotógrafos do jornal tiveram acesso à feira e outros repórteres também. A mesma assessoria de imprensa que me deu exemplos de cobertura autorizou, de forma direta ou indireta, a presença da concorrência deste jornal, numa clara tentativa de moldar e barrar o que é ou não publicado a respeito do evento.

Este texto serve de testemunho de um equívoco ridículo de talhar a opinião pública a respeito da SP-Arte. Não tenho nada contra o mercado de arte, já que tudo nesse segmento gira em torno dele. Meu protesto é contra o que parece ser uma tentativa absurda de censurar qualquer jornalista que tenha um posicionamento crítico a respeito dos métodos de financiamento e divulgação dessa feira. Há conflitos de interesse nítidos na maneira como o mercado de arte se estrutura neste país.

No dia do jornalista —eu não ligo para essas datas, mas é uma coincidência interessante—, é triste pensar o quanto o jornalismo cultural é refém de assessorias de imprensa e departamentos de marketing. Exponho essa questão, que pode nem interessar ao público, por princípio. Nosso meio artístico que tanto lamenta a quase extinção da crítica de arte em nossos jornais e revistas é o mesmo que só quer ouvir elogios, não tolera qualquer voz dissonante —uma coisa bem jeca.

Fui informado pela assessoria da SP-Arte que outros jornalistas na montagem da feira ali entraram por um mal-entendido na porta, já que todos estavam barrados antes da abertura do evento. Soube depois que uma outra jornalista, não sei por qual motivo, também foi barrada. Eu cubro a mesma feira há nove anos e sempre entrei durante a montagem para fazer minhas reportagens. A mudança na postura me surpreendeu, ainda mais quando a concorrência entrou —autorizada ou não, nunca vamos saber— antes que eu pudesse ali estar. Censura não é legal. E não combina com arte.