Branco no branco, a arte do murmúrio

Silas Martí
'Sem Título (288)', relevo em madeira de 1970 do artista Sérgio Camargo, em mostra na Dominique Lévy
‘Sem Título (288)’, relevo em madeira de 1970 do artista Sérgio Camargo, em mostra na Dominique Lévy

Um silêncio todo branco vem tomando conta de exposições mundo afora. Essa onda asséptica, com fortes raízes no minimalismo norte-americano, também vingou no Brasil, em especial na obra de artistas como Sérgio Camargo e Mira Schendel, dos anos 1950 em diante, e em trabalhos de artistas ainda vivos, como Ascânio MMM e Fernanda Gomes.

Nesta semana, uma mostra na galeria Dominique Lévy, em Londres, justapõe obras de autores seminais de relevos todo brancos, como o britânico Ben Nicholson, com estrelas da América Latina que se renderam à estética do silêncio, como os brasileiros Camargo e Schendel, e os argentinos Lucio Fontana e Luis Tomasello.

Também em alta, nomes do movimento alemão Zero, como o italiano Piero Manzoni e o alemão Günther Uecker, que tiveram obras em mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Guggenheim, em Nova York, no ano passado, também estão na mostra londrina.

Leia a seguir uma entrevista com o curador da exposição “Sotto Voce”, Lock Kresler, da Dominique Lévy.

Como surgiu a ideia de montar uma exposição só com relevos brancos?

Essa mostra começou mesmo por causa da obra do Sérgio Camargo. De certa maneira, o que ele fez resume o que torna essa exposição tão especial. Tem a ver com conexões que se estabeleceram mundo afora, como ele, que nasceu no Brasil, estudou na Argentina com Lucio Fontana, depois trabalhou em Paris e conheceu Constantin Brancusi e chegou a expor na galeria Signals, em Londres, em diálogo com artistas com a mesma estética. Isso nos ajudou a entender as ligações entre a Europa, a América do Sul e a América do Norte. Foi um ponto de partida interessante.

Quando é possível dizer que começaram os relevos brancos na arte contemporânea?

Entendemos que isso começou mesmo nos anos 1930, com artistas como Ben Nicholson, que era britânico, e Jean Arp. Um teve certa influência sobre o outro. É claro que havia precedentes, como Kasimir Malevitch, mas essa forma de construção e o uso de materiais nesse sentido se tornou mais claro só mais adiante. Quando o Sérgio Camargo e a Mira Schendel vieram para a Europa e conheceram a obra desses artistas, acabaram criando um vocabulário e uma voz próprias a partir desse contato.

Acredita que o interesse por isso tem a ver com a relevância que artistas do grupo Zero vêm ganhando?

De fato, é interessante que só nos últimos anos o movimento Zero vem ganhando apreciadores fora do contexto local europeu. Artistas como Piero Manzoni, Enrico Castellani e Günther Uecker estão se tornando nomes mais internacionais. Temos vendido muitos trabalhos de Uecker e Castellani para colecionadores no Brasil, na Ásia e nos Estados Unidos.

Qual o poder de atração dessas peças, na sua opinião?

São todos trabalhos abstratos. Embora criados em épocas e contextos geográficos específicos, eles acabam sendo belos objetos dotados de uma expressão própria, o que faz com que mesmo um italiano ou um chinês possa apreciar essas obras. Sempre haverá algo atraente nessas obras para todos olhares.