Branco no branco, a arte do murmúrio
Um silêncio todo branco vem tomando conta de exposições mundo afora. Essa onda asséptica, com fortes raízes no minimalismo norte-americano, também vingou no Brasil, em especial na obra de artistas como Sérgio Camargo e Mira Schendel, dos anos 1950 em diante, e em trabalhos de artistas ainda vivos, como Ascânio MMM e Fernanda Gomes.
Nesta semana, uma mostra na galeria Dominique Lévy, em Londres, justapõe obras de autores seminais de relevos todo brancos, como o britânico Ben Nicholson, com estrelas da América Latina que se renderam à estética do silêncio, como os brasileiros Camargo e Schendel, e os argentinos Lucio Fontana e Luis Tomasello.
Também em alta, nomes do movimento alemão Zero, como o italiano Piero Manzoni e o alemão Günther Uecker, que tiveram obras em mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Guggenheim, em Nova York, no ano passado, também estão na mostra londrina.
Leia a seguir uma entrevista com o curador da exposição “Sotto Voce”, Lock Kresler, da Dominique Lévy.
Como surgiu a ideia de montar uma exposição só com relevos brancos?
Essa mostra começou mesmo por causa da obra do Sérgio Camargo. De certa maneira, o que ele fez resume o que torna essa exposição tão especial. Tem a ver com conexões que se estabeleceram mundo afora, como ele, que nasceu no Brasil, estudou na Argentina com Lucio Fontana, depois trabalhou em Paris e conheceu Constantin Brancusi e chegou a expor na galeria Signals, em Londres, em diálogo com artistas com a mesma estética. Isso nos ajudou a entender as ligações entre a Europa, a América do Sul e a América do Norte. Foi um ponto de partida interessante.
Quando é possível dizer que começaram os relevos brancos na arte contemporânea?
Entendemos que isso começou mesmo nos anos 1930, com artistas como Ben Nicholson, que era britânico, e Jean Arp. Um teve certa influência sobre o outro. É claro que havia precedentes, como Kasimir Malevitch, mas essa forma de construção e o uso de materiais nesse sentido se tornou mais claro só mais adiante. Quando o Sérgio Camargo e a Mira Schendel vieram para a Europa e conheceram a obra desses artistas, acabaram criando um vocabulário e uma voz próprias a partir desse contato.
Acredita que o interesse por isso tem a ver com a relevância que artistas do grupo Zero vêm ganhando?
De fato, é interessante que só nos últimos anos o movimento Zero vem ganhando apreciadores fora do contexto local europeu. Artistas como Piero Manzoni, Enrico Castellani e Günther Uecker estão se tornando nomes mais internacionais. Temos vendido muitos trabalhos de Uecker e Castellani para colecionadores no Brasil, na Ásia e nos Estados Unidos.
Qual o poder de atração dessas peças, na sua opinião?
São todos trabalhos abstratos. Embora criados em épocas e contextos geográficos específicos, eles acabam sendo belos objetos dotados de uma expressão própria, o que faz com que mesmo um italiano ou um chinês possa apreciar essas obras. Sempre haverá algo atraente nessas obras para todos olhares.