Tomie Ohtake e a abstração como ilustração profunda do pensamento
Tomie Ohtake, uma das maiores artistas plásticas do país, morreu nesta quinta, aos 101 anos. Quando comemorou um século de vida, há dois anos, fiz uma entrevista com ela sobre as exposições que marcavam seu centenário.
Leia a seguir alguns trechos inéditos da conversa que tive com a artista em seu ateliê, um espaço desenhado pelo filho, o arquiteto Ruy Ohtake, em sua casa do Campo Belo, na zona sul de São Paulo.
Como é a sensação de completar cem anos de idade?
Nunca pensei que estaria viva aos cem anos, mas essa idade chegou sem eu sentir nada. Só sei que gosto muito de trabalhar. Pintando eu me sinto feliz.
Sua obra começou figurativa e depois se tornou abstrata, ao ponto de você ter se tornado uma das maiores referências do abstracionismo no país. Como foi essa mudança?
No Japão, com 23 anos, eu já gostava de desenhar e pintar com aquarela. Dentro do meu pensamento também existe o figurativo, mas comecei a pintar telas abstratas. No figurativo, o que você pinta já existe, mas o abstrato é uma ilustração mais profunda do meu pensamento. Da figuração para a abstração, deve haver mais profundidade, e a profundidade visual é usar elementos pictóricos abstratos para ressaltar os elementos essenciais da pintura.
Seu interesse pela abstração geométrica tem a ver com o interesse do crítico Mário Pedrosa por seu trabalho?
Mário Pedrosa me deu muita atenção, me ensinou muitas coisas. Ele gostava muito das minhas pinturas. Sugeriu que eu pintasse uma tela toda de preto, sem olhar onde pintava, onde estava a tinta. E ficavam uns pontos brancos. Meu trabalho é desse jeito. Numa tela em branco, não se sabe por onde começar.
Você se enquadraria, naquele momento, no movimento concretista ou neoconcretista?
Sempre desenhei curvas e linhas retas, mas com a mão, então não fica perfeito. Eu faço só com a mão, nunca pensei em pintura geométricas, mas às vezes uma linha encontra a outra ou uma curva e todo mundo fala que é geométrico. Gosto mais dessas formas livres. O Willys de Castro me aconselhou a ser geométrica, mas eu não quis.
Por que o círculo é uma forma geométrica tão recorrente no seu trabalho?
Círculos são coisas que lembram paz, é paz mesmo. Gosto muito dessa forma. Tem a ver com paz.
O que mudou na luminosidade e na superfície de seus quadros ao longo dos anos?
Meu pincel mudou, ficou mais movimentado. Eu pensava sempre numa luz que vinha de frente, mas agora é uma luz que vem de trás e vai dexando esses pontos brancos.