Vik Britto ou Romero Muniz? Artes visuais no alvo da cultura pop

Silas Martí
Marcelo Adnet e Marcius Melhem em cena de 'Tá no Ar: A TV na TV', da Globo
Marcelo Adnet e Marcius Melhem em cena de ‘Tá no Ar: A TV na TV’, da Globo

No episódio de estreia da segunda temporada de “Tá no Ar: A TV na TV”, programa de humor da Globo, um gigante cavalo marinho que cospe um jato de “urina com notas de capim limão” é apresentado numa cena como obra de “Vik Britto ou Romero Muniz, não me lembro”.

A piada junta os nomes de Vik Muniz, artista plástico com sólida carreira internacional com uma veia para o popular em sua obra, e Romero Britto, o ilustrador que empresta suas estampas coloridas para cobrir desde canecas a malas de viagem, jogando os dois na categoria de grife fútil.

Na cultura pop, o universo das artes plásticas, talvez por parecer incompreensível na superfície ou servir de símbolo de luxo e riqueza, fascina roteiristas.

Uma das cenas mais comentadas do oscarizado “A Grande Beleza”, filme do italiano Paolo Sorrentino, é a entrevista em que Jep, personagem de Toni Servillo, entrevista uma artista plástica que diz “viver de vibrações”. Na cena anterior, ela aparece nua, os pelos pubianos tingidos de vermelho com o desenho de uma foice e um martelo, correndo a toda velocidade para bater a cabeça contra um arco de pedra.

Cena do filme 'A Grande Beleza', do italiano Paolo Sorrentino
Cena do filme ‘A Grande Beleza’, do italiano Paolo Sorrentino

No mesmo filme, uma menina que pinta quadros com as mãos durante surtos de birra também é apresentada como a grande promessa da arte contemporânea, com telas valendo milhões.

Cena de 'A Grande Beleza', filme do italiano Paolo Sorrentino
Cena de ‘A Grande Beleza’, filme do italiano Paolo Sorrentino

Questões de valor e a dificuldade, mesmo para iniciados em artes plásticas, de entender os complexos mecanismos de valorização e desvalorização de uma peça são centrais no retrato da arte contemporânea nas telas de cinema e na televisão.

No ar agora na Globo, a novela “Império” mostra como um personagem, o pintor atormentado e autodidata vivido por Paulo Vilhena, é descoberto como um grande talento e suas obras são alvo de cobiça.

Nada mais clichê que atrelar arte à loucura, mas não é uma ideia tão bizarra quando se pensa que as últimas grandes mostras de arte contemporânea vêm celebrando a arte dos “outsiders”, ou artistas que muitas vezes nem se viam como artistas, sem contar o romantismo envolvendo a figura de mestres que teriam enlouquecido, como Van Gogh.

Paulo Vilhena em cena da novela 'Império', da TV Globo
Paulo Vilhena em cena da novela ‘Império’, da TV Globo

Na minissérie “Felizes para Sempre?”, que foi ao ar há uma semana na Globo, uma das principais personagens da trama, vivida por Maria Fernanda Cândido, era uma restauradora de arte. Seu marido, um empreiteiro colecionador, vivia cercado de obras em sua mansão. Arte, aqui, é sinônimo de luxo, estando sempre a um passo da corrupção.

Maria Fernanda Cândido em cena da minissérie 'Felizes para Sempre?'
Maria Fernanda Cândido em cena da minissérie ‘Felizes para Sempre?’

Num caso mais histérico, que bate na tecla da aura de difícil que a arte parece conservar, o Porta dos Fundos fez um dos vídeos mais hilários de sua história. “Arte é o nada, arte é o sentir e eu sinto que essa é a minha maior obra”, diz a personagem de Clarice Falcão no vídeo “Arte Moderna”, em que tenta vender por R$ 120 mil um anão preso a uma tela. “Você deixa o anão definhando de fome e de sede e quando ele morrer o ciclo se completa. Você deixa a carcaça do anão no chão e tem uma obra de natureza-morta.”

Exagero? É, mas já me vi em muitas situações tentando defender ou descrever um trabalho que para os leitores deve ter soado como o tal anão preso a uma tela.

Entre o ridículo inexplicável e a ostentação vazia, lembro uma cena que presenciei no Rio no lançamento de uma marca de champanhe, anunciando em jantar de gala no Parque Lage uma nova garrafa estampada com motivos florais criados pelo artista Vik Muniz.

Em determinado momento da noite, ele ofereceu um brinde aos convidados, dizendo que ama champanhe e que a marca pagou por seu trabalho com um estoque de garrafas da bebida. Naquele mesmo dia, na praia, ambulantes vendiam cangas com estampas do Romero Britto. “Sabe quem é?”, perguntavam ao justificar o valor acima da média para o pedaço de pano.