Entre a paisagem e a destruição
Duas mostras agora em cartaz em São Paulo tomam os desvios da arquitetura urbana como pontos de partida. Na galeria Sé, o artista Daniel Murgel cria uma escultura para coletar a água da chuva que teima em não cair sobre a cidade. Se chover, o líquido se acumula nessas piscinas e desce por canos instalados pelo artista até uma cisterna para abastecer a galeria, que fica a poucos metros do Pátio do Colégio, o marco zero paulistano.
No andar debaixo, Murgel mostra uma série de desenhos que serviram de estudo para o trabalho, que ele diz girar em torno de uma busca por elementos mais sensíveis e menos brutais da arquitetura. Outro trabalho parece elevar ao último grau, transformando em escultura, uma cena tão comum nas ruas de São Paulo –árvores que brotam do asfalto, suas raízes abrindo fendas nas calçadas. Ali está uma pequena árvore que brota de um cubo de concreto, podendo ser regada por uma espécie de ralo que leva a água até suas raízes.
Enquanto isso, nos Jardins, o britânico Simon Linington faz sua primeira mostra na galeria Emma Thomas, exibindo trabalhos que usam como pigmento a sujeira e a terra acumuladas nas ruas de São Paulo. A sua é uma arqueologia às avessas, que desvia os dejetos da metrópole para formar a superfície plástica de suas composições.
Outra obra do artista é uma escultura de natureza maleável, construída com dois lençóis plásticos, cada um tingido por um tipo de sujeira. Não fosse o aspecto tridimensional, é uma peça que lembra os trabalhos de Daniel Senise, usando os restos de tinta do chão de seu ateliê.
Nos dois casos, há uma vontade nesses trabalhos de entrar debaixo da pele árida da cidade para extrair dali alguma beleza.