Mulheres-gorila, as Guerrilla Girls celebram 30 anos de luta feminista
Há quase 30 anos, um grupo de artistas mulheres que escondem o rosto atrás de máscaras de gorila e batizaram seu coletivo de Guerrilla Girls, aproximando a sonoridade da palavra espanhola com o nome do primata no sotaque americano, instalaram um outdoor em frente ao Metropolitan, em Nova York, em que perguntavam se as mulheres precisavam ficar nuas para entrar na coleção do museu. Nas contas de 1989, só 5% das artistas no Met eram mulheres, mas 85% das que apareciam nas obras estavam nuas.
Esse cartaz, como em quase toda mostra dedicada ao coletivo, é a peça central de uma retrospectiva das Guerrilla Girls aberta há pouco no Matadero, em Madri, em plena semana da feira Arco. No centro cultural espanhol, estão cartazes, fotografias, camisetas e recortes de jornal registrando as estripulias de uma trupe que não baixou a temperatura de seus manifestos desde que surgiram em 1985. Nem deveriam, já que as estatísticas que denunciam se mantiveram mais ou menos iguais ao longo das décadas.
No dia em que se celebram as mulheres e em tempos de discursos acalorados no Oscar, como Patricia Arquette, que ao vencer o prêmio de melhor atriz coadjuvante por seu papel em “Boyhood” subiu no palco da cerimônia para pedir salários iguais para homens e mulheres em Hollywood, a obra das Guerrilla Girls parece mais atual do que nunca.
Quando uma delas veio a São Paulo há cinco anos, fiz uma entrevista. Elas não revelam seus nomes, nem o rosto, e a que falou comigo se apresentou como Kathe Kollwitz, homenagem à expressionista alemã. Na época perguntei se ainda fazia sentido esse tipo de militância quando já era comum mesmo os museus sempre alvejados por elas, como o MoMA e o Met, dedicarem grandes mostras a criadoras mulheres. Em sua resposta, ela disse que o feminismo vinha sendo demonizado nos Estados Unidos e que por isso o objetivo do grupo era transformar esse ativismo em algo mais fashion.
Não à toa, a tática de guerrilha das Guerrilla Girls lembra em muitos aspectos a linguagem pop e publicitária de uma banda de rock, com turnês, figurinos espalhafatosos e muito barulho. É fato que hoje a importância do grupo é vista como algo histórico, enquadrado como último grito de uma série de performances e trabalhos de outras artistas mulheres que denunciavam a própria condição feminina num mundo da arte dominado pelos homens, de Valie Export, Gina Pane e Orlan, em explorações violentas do próprio corpo, a trabalhos não menos violentos de Nikki de Saint-Phalle, que teve uma grande retrospectiva no ano passado no Grand Palais, em Paris, Ana Mendieta e Andrea Fraser, famosa por ter vendido uma noite de sexo a um colecionador.
Mesmo que deixadas um tanto de escanteio nos últimos anos, as Guerrilla Girls voltam mais uma vez aos holofotes agora no Matadero, dando a entender que o grupo só vai perder a relevância no dia em que os números que denunciam se equalizarem. Numa conversa recente, a jornalista e pesquisadora Sarah Thornton comentou comigo que as mulheres são maioria nos cursos de artes plásticas das universidades no mundo todo, mas depois de formadas só um terço delas exerce de fato a profissão e se sente confortável em se dizer artista. E ela não estava falando de 1985.