Elegância e potência ao quadrado
Alguma coisa acontece nas margens da imagem em dois dos últimos filmes mais impactantes do cinema nos últimos tempos. “Ida”, obra do polonês Pawel Pawlikowski que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano e está agora em cartaz em São Paulo, e “O Homem das Multidões”, de Marcelo Gomes e Cao Guimarães, que estreou há dois anos, são filmados com enquadramentos quadrados, como se a homenagem à forma de ângulos retos e lados iguais de Josef Albers revivesse no cinema.
Ou, em vez de Albers, talvez seja o Instagram uma influência decisiva no resgate do médio formato. Em “Ida”, há cenas inteiras com mais teto do que o plano da ação, em enquadramentos que violam a lei áurea das proporções, o que jogaria os olhos dos personagens para o terço superior da tela.
No filme de Pawlikowski, os olhos não saem do terço inferior, criando uma sensação de peso insuportável em cada cena. Vendo esse filme, veio à cabeça os trabalhos também absurdos de tão bons de Lucrecia Martel e Tsai Ming-Liang –a argentina e o malaio, mesmo filmando no formato panorâmico, não deixam de criar arquiteturas estoicas, ultradensas em cada fotograma.
Numa obra mais recente, mas sem o efeito dramatúrgico de “Ida”, Cao Guimarães e Marcelo Gomes traduzem a euforia vintage do Instagram para o plano do cinema. É um filme belíssimo, mas que em certos pontos se esquece de ser um filme, o que não é de todo ruim, mas cansa. Lentidões narrativas à parte, é uma bela e poderosíssima homenagem ao quadrado.
Outro dia, conversando com Tuca Vieira, um dos fotógrafos mais interessantes hoje no país, falamos desses quadrados. Um de seus trabalhos mais recentes, a série que fez para a Bienal de Arquitetura de São Paulo em Pernambuco e no Pará é toda realizada com enquadramentos quadrados.
Vieira comentou comigo que isso dava uma certa elegância à imagem, por mais ruidosa e alucinante que fosse seu assunto no retratado, no caso, a violência da extração de minério na mina de Carajás, no Pará, ou uma ruazinha abarrotada de motocicletas vermelhas em Pernambuco.