Monumento ao trauma começa a ganhar forma em Washington
David Adjaye, arquiteto nascido em Gana e que hoje trabalha entre Nova York e Londres, está mais nos holofotes do que nunca. Na atual edição da Bienal de Veneza, organizada pelo nigeriano Okwui Enwezor, ele responde pela arquitetura da mostra, tendo criado salas arrebatadoras no Arsenale, como a sequência que relaciona os trabalhos de Bruce Nauman e Adel Abdessemed e depois Terry Adkins e Pino Pascali, além da arena no pavilhão principal dos Giardini para a leitura de “O Capital” comandada por Isaac Julien.
Enquanto Adjaye é sem dúvida um dos responsáveis pelo tour de force que é a atual Bienal –o ponto nevrálgico da arte no bom e no mal sentido–, ele está prestes a inaugurar seu projeto noutro ponto fulcral do globo, o African-American Smithsonian Museum, que será inaugurado em Washington a poucos metros do obelisco símbolo da capital norte-americana.
Sua ideia é construir uma espécie de pirâmide invertida, com formas que se tornam cada vez mais avantajadas rumo aos céus e todas revestidas de cobre, em alusão ao trabalho manual desenvolvido com esse metal pelos escravos africanos levados aos Estados Unidos. Ocupando um espaço mais do que nobre de Washington, seu museu-monumento chega mais de 5o anos depois da marcha em Selma, no Alabama, e no rastro dos assassinatos de negros pela polícia americana em todo o país, de Ferguson a Baltimore.
Talvez por isso, Adjaye fala de seu museu como “uma guinada, uma junta que articula as coisas, que não é nem pastoral nem monumental, mas uma ponte entre as duas coisas”. Ele fala das visões conflitantes que estão na raiz do urbanismo de Washington, entre um eixo monumental derivado das construções que marcaram a megalomania do Império Romano e a visão idílica da vastidão da América sonhada pelos fundadores do país. Sua ideia é que o museu marque uma transição entre a esplanada central da capital, onde está o obelisco, e outra forma de monumento, no caso, um reconhecimento pomposo a séculos de exploração e sofrimento.
Não à toa, o formato do prédio, nas palavras de Adjaye, sugere um movimento em ascensão. “Ele flutua sobre o solo”, diz o arquiteto. “Quando olharmos para o prédio, teremos a sensação que suas partes opacas estão levitando sobre um espaço mais leve e toda a circulação leva a planos superiores, cheios de luz. Não tem a ver com a história de um trauma, mas uma narrativa de superação, sobre pessoas que construíram uma potência global.”
Enquanto isso, em Brasília, um concurso internacional deve começar em breve para selecionar o arquiteto que vai desenhar e c0nstruir o futuro Museu Nacional Afro Brasileiro, num gesto semelhante ao do governo americano. Antiga promessa do último responsável pelo Instituto Brasileiro de Museus, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, que deixou o cargo no governo para assumir a secretaria estadual da Cultura em Minas Gerais. Resta saber como o projeto vai avançar em tempos de crise, se é que vai avançar.