Richard Prince e suas fotografias do Instagram reacendem debate autoral
Não faz muito tempo, comentei aqui o caso de Randerson Romualdo Cordeiro, o garoto que conserta telefones e mora no morro do Vidigal, no Rio, que foi parar numa tela do norte-americano Kehinde Wiley avaliada em mais de R$ 100 mil. Nesta semana, causou alvoroço outro episódio envolvendo o valor de uma imagem. O também americano Richard Prince, famoso por se apropriar de ícones da cultura pop e da publicidade, como o caubói da Marlboro, causou certa polêmica ao vender suas impressões de capturas de tela do Instagram de garotas do coletivo de modelos SuicideGirls por US$ 90 mil na última feira Frieze, em Nova York. Num protesto bem humorado, as meninas que aparecem ali decidiram também ampliar para o tamanho de um pôster seus próprios retratos da rede social e vender por míseros US$ 90, valor que será, segundo elas, doado à Electronic Frontier Foundation, organização sem fins lucrativos que defende a privacidade na internet.
Prince já foi processado uma série de vezes por surrupiar material fotográfico em obras que falam da questão da saturação e do valor de uma imagem com base em seu deslocamento, de uma revista ou do Instagram para a galeria de arte, por exemplo. De tanto irritar autores dos trabalhos originais, parece que sua estratégia já foi incorporada ao trabalho. Não há como fazer uma dessas obras sem despertar a ira ou indignação de quem se entende como autor do original. Mas Prince questiona o que seria esse original. Pela lei americana, ele poderia se defender caso pudesse provar que houve alterações significativas e que sua obra se trata de uma citação ou paródia. Nem sempre é o caso, e isso fica bastante evidente no episódio das SuicideGirls.
Enquanto o debate ganha as mídias sociais, um caso parecido foi parar nos tribunais na Bélgica. O pintor Luc Tuymans foi condenado em primeira instância por plagiar, segundo a Justiça belga, um retrato do político Jean-Marie Dedecker feito pela fotógrafa Katrijn van Giel. Segundo a corte, a pintura de Tuymans não altera em grau suficiente o original de Van Giel, mesmo que ele tenha mudado as cores, a escala, o foco e o contraste da obra numa crítica ao personagem. Tuymans, aliás, é um dos artistas mais celebrados de seu país e construiu toda a sua obra em cima da apropriação de imagens, de revistas e telejornais e até clipes do YouTube.
Numa análise do caso, o crítico de arte do jornal “The Guardian”, Adrian Searle, resume bem a história. “As semelhanças são indiscutíveis, mas também o são as diferenças. A fotografia parece suada. Na pintura de Tuymans, esse brilho é pustuloso, e a luz não tem o glamour do fundo negro. A tonalidade é acinzentada, e a forma como as pinceladas interrogam o nariz e a orelha do sujeito é perturbadora. Em detalhes, tudo é diferente, inclusive a construção da imagem”, escreve Searle. Concordo com ele. E concordo até com Pharrell Williams, que na esfera da música acaba de ser condenado por plagiar uma canção de Marvin Gaye com sua “Blurred Lines”. Ao “Financial Times”, Williams disse que sua condenação abre um perigoso precedente na indústria cultural e acentua o debate sobre cópias, citações, homenagens e puro plágio no seio da cultura do remix que domina o século 21.
Outro episódio recente, que parece mesmo um plágio, a artista colombiana Adriana Duque acusou a grife Dolce & Gabbana de copiar os fones de ouvido cravejados de pérolas que ela inventou para seus retratos fotográficos. Quem olha as fotografias de Duque e depois observa os acessórios desfilados pela marca em Milão no início do ano não demora a notar as semelhanças. O caso se agrava ainda mais quando veio à tona a informação de que o namorado de um dos donos da grife tem várias fotografias de Duque em seu apartamento em Brasília, o que elimina qualquer argumento que culpe o inconsciente coletivo ou o zeitgeist por essa apropriação. Mas o caso ganha outras camadas quando analisamos também o trabalho de Duque, que se inspira na pintura barroca europeia. Na arte, afinal, tudo remete a algo que veio antes.
Tentando se antecipar a uma acusação de apropriação indevida, aliás, o fotógrafo alemão Andreas Gursky vem tentando há meses conseguir autorização da Disney para usar em suas imagens retratos de atores caracterizados como os super-heróis Batman, Superman e Homem Aranha. A negociação vazou na enxurrada de e-mails divulgados por hackers que invadiram as contas da Sony. Uma diretora da Gagosian, galeria que representa Gursky, descreve na correspondência como seria uma dessas imagens, no caso o Homem de Ferro beijando a personagem de Gwyneth Paltrow no filme do herói deslocada para um cenário de pôr-do-sol na Tailândia, que já tinha sido feito pelo alemão. Nunca chegaram a um acordo.
O que chama a atenção é como Prince se sentiu à vontade imprimindo os posts das SuicideGirls, Tuymans não pensou duas vezes em usar uma fotografia de revista e os estilistas da Dolce & Gabbana pensaram que em Milão ninguém conheceria a obra de uma colombiana, mas Gursky e a gigante Gagosian não quiseram comprar briga com outra gigante de Hollywood.