Artistas arriscam virar bobos da corte
Era um jantar desses do mundo da arte, na casa de um colecionador em Buenos Aires. Mulheres de salto, homens de terno, algumas crianças entediadas e taças de champanhe circulando cintilantes nas bandejas dos garçons. De repente, um anúncio. Todos estavam convocados para a sala ao lado onde aconteceria a performance. Christian Falsnaes, um artista dinamarquês, surge no meio dos convidados e começa a dar ordens. Divide o grupo ao meio, pede que uns olhem para ele enquanto outros deveriam sorrir ao mesmo tempo. O objetivo, depois de explicada a metodologia, era colorir e pintar as telas em branco penduradas nas paredes da antiga fábrica no bairro de San Telmo, no centro da cidade, onde o anfitrião guarda seu acervo.
Entusiasmados no começo, os críticos, colecionadores que sujavam as mãos de tinta logo abandonaram o espaço da performance e voltaram para o bar, esvaziando o ato que já começou um tanto atravessado na dinâmica da noite. Falsnaes é conhecido por provocar o público e orquestrar ações que começam calminhas e às vezes escalam para apoteoses furiosas, com muita tinta jogada nas paredes, roupas rasgadas e um bando de gente pelada.
É um fato que a performance como linguagem artística vem ganhando poder no circuito, tendo já cavado seu espaço no mercado. Mas esse novo fôlego de um gênero que surgiu como protesto nos anos 1960 traz à tona um novo risco, que é colocar o artista no papel de bobo da corte das festinhas. Nomes como Tino Sehgal e Laura Lima, que criam performances de longa duração e, por isso, vão na contramão dessa ideia de evento-confete só para alegrar as festas, ainda são exceção. Grande parte do que sobrevive no circuito são ações pontuais armadas para chamar público em dias de abertura.
Umas semanas atrás, a artista americana Lucy Dodd realizou uma ação num vernissage na galeria Mendes Wood DM em que pintava diante do público. Era algo inspirado no imaginário corrente sobre um pintor em seu ateliê, com a diferença de que ali ela vestiu amigos com roupas bizarras e coloridas enquanto fazia um quadro dentro de uma vitrine. É um trabalho que junta duas pontas que não costumam se frequentar no espectro da arte, uma ação efêmera e sem muito potencial para ser vendida e um quadro que depois vira um objeto para o colecionador pendurar na parede. No contexto de uma galeria comercial, no meio da festa, a leitura desse tipo de ação é um tanto truncada, mas serve como reflexão sobre o que acontece na performance.
Faltando alguns dias para o festival Verbo, um dos mais tradicionais eventos de performance no país que chega agora à sua 11ª edição na galeria Vermelho, os artistas Rodolpho Parigi e Rose Akras estiveram hoje no estúdio da Folha para comentar as mudanças nesse meio. Os dois reconhecem o risco que correm diante do público. Parigi acaba de realizar uma performance na galeria Nara Roesler, onde tem uma mostra em cartaz, em que parecia levitar dentro de uma vitrine. Akras se prepara também para uma ação em que deve mesclar textos escritos e uma coreografia inspirada em conceitos geométricos.
Será uma chance para ver o estado atual dessa linguagem e tentar sentir para onde ela vai. Na nossa conversa nesta sexta, Parigi disse uma coisa interessante. Estamos vivendo, segundo ele, um momento em que a “performance virou TV aberta”, ou seja, está conquistando cada vez mais as massas e saindo de um círculo restrito de apreciadores. Falta, é claro, mais repertório por parte dos artistas em alguns casos e também por parte desse público que migra da telenovela para as salas das galerias de arte.