Vandalismo em Versalhes escancara onda conservadora contra a arte
Não era de se espantar que a mostra de Anish Kapoor no Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, fosse causar certa polêmica. Desde que os primeiros artistas contemporâneos puseram os pés na antiga residência real, síntese extática do que a França era no auge da monarquia, um coro ultraconservador denuncia tudo que se mostra ali, dos arroubos pornográficos —aos olhos de alguns— do japonês Takashi Murakami e do americano Jeff Koons ao lustre de absorventes da portuguesa Joana Vasconcelos. “Dirty Corner”, uma instalação de Kapoor que parece um enorme tubo e foi apelidada pela imprensa francesa de “vagina da rainha”, acabou sendo atacada por vândalos.
Em entrevista ao jornal “Le Figaro”, Kapoor lamentou o episódio. “É preciso colocar isso em perspectiva. Se esse ato de vandalismo diz algo, tem mais a ver com certa intolerância que emerge na França do que com arte”, disse o artista. “O problema me parece mais político do que qualquer outra coisa, tem origem numa fração minoritária do povo para a qual todo ato criativo é uma ameaça a um passado sacralizado ao extremo. Esse é um fenômeno triste.”
Triste também foi o ataque à escultura do americano Paul McCarthy na mesma França que agora barbariza o trabalho de Kapoor. No fim do ano passado, em plena temporada da Fiac, uma das maiores feiras de arte da Europa, a gigante árvore de Natal —ou plug anal— inflável instalado por McCarthy na praça Vendôme, um dos endereços mais emblemáticos da capital francesa, foi chamada de “humilhação à França” e logo depois destruída, murchando em praça pública diante dos olhos de todos.
Enquanto a França esperneia, uma Nova York não muito mais esclarecida acaba de entrar na onda puritana. Uma escultura de Charles Ray encomendada para o jardim do novo Whitney, museu desenhado por Renzo Piano que acaba de ser inaugurado no sul de Manhattan, foi rejeitada pela instituição. O motivo é que ela mostra um menino e um homem, ambos nus, o que, segundo o crítico Calvin Tomkins da “New Yorker”, o museu considerou um tanto ofensivo. A escultura de Ray então foi parar em Chicago, mas não do lado de fora como queria. Está lá dentro, numa sala fechada.
Outro alvo de censura, a obra do artista suíço Christoph Büchel foi interditada na Bienal de Veneza. O artista havia transformado uma igreja católica desativada em mesquita, não uma mesquita de verdade, é claro, mas algo temporário, que durasse o tempo da mostra, que acabou acolhendo a população muçulmana local. Autoridades italianas decidiram fechar o espaço, no entanto, alegando que o artista não tinha permissão para operar um local de culto e que a instalação não respeitava sua lotação máxima de cem pessoas.
Fora da Europa, a situação é pior. Tania Bruguera, a artista cubana que tentou instalar microfones abertos ao público na praça da Revolución, em Havana, está em prisão domiciliar desde a tentativa frustrada de fazer uma performance marcando o início do degelo nas relações entre Estados Unidos e Cuba. Mesmo em casa, Bruguera tentou realizar outra performance em que lia “As Origens do Totalitarismo”, livro de Hannah Arendt, para o público, mas mesmo essa ação foi interrompida por agentes do regime castrista.