Esquizofrênica a mil por hora, Agnes Martin pintou a mais absoluta calma
De tempos em tempos, todos os olhos e ouvidos se voltam para um artista no mundinho da arte. Agnes Martin, a canadense radicada nos Estados Unidos famosa pelo rigor minimalista de suas telas, parece ser o nome da vez. Ela tem agora uma elogiadíssima retrospectiva em cartaz na Tate Modern, em Londres, e virou tema de uma biografia escrita por Nancy Princenthal, também elogiada por críticos como Prudence Pfeiffer, da “Artforum”.
Sempre gostei da obra de Martin. Suas telas são um respiro, quase um desvio da velocidade da vida atual. Mesmo tendo arquitetado essas composições desde os anos 1950, Martin nunca deixou de ser atual, tendo trabalhado quase até o final de sua longa vida —ela morreu aos 92 há 11 anos. Mas o que pode impressionar quem não sabia nada, ou sabia pouco sobre ela, na verdade, são os detalhes de sua vida pessoal. Desde que estudei crítica de arte, conheço duas escolas nesse tipo de escrita, a que julga uma obra pelo que ela é e seu oposto, que parte da estratégia de entender um trabalho dentro de um determinado contexto, ou seja, em relação à vida do artista, à época em que foi realizada e seus acontecimentos históricos. Sou muito mais essa última.
Daí o choque no caso de Martin. Não estamos diante do rigor quase obsessivo de um Waldemar Cordeiro e seus experimentos geométricos no grupo Ruptura, por exemplo, muito menos a loucura metódica de um Sol LeWitt, mais próximo da dinâmica de Martin. Longe de ser uma “control freak” em seu sentido mais literal, Martin foi uma personalidade convulsionada. Era uma esquizofrênica, rejeitava a própria sexualidade, nunca reconhecendo seus relacionamentos com uma série de mulheres ao longo da vida, uma mulher que deixava de comer para pintar e era louca por carros e velocidade, tendo dirigido uma Mercedes último modelo até os últimos meses de vida.
Ela ganhou fama expondo em Nova York, mas preferiu passar boa parte da vida vivendo no deserto do Novo México, no sul dos Estados Unidos, onde chegou a conhecer Georgia O’Keeffe, uma das maiores pintoras da arte americana, que nada tem a ver com sua obra. Ou melhor, talvez nada tenha a ver com Martin só na superfície. É fato que ela dizia precisar da natureza, na verdade, dos vazios do deserto, para encontrar a calma para estruturar suas linhas ao mesmo tempo plácidas e cheias de força. O’Keeffe, que pintou flores e caveiras de vaca contra fundos de cor intensíssima, talvez estivesse falando dessa mesma natureza, mas sem expor sua arquitetura mais íntima.
Diante da nova biografia de Martin e da mostra agora na Tate, uma nova leitura de sua obra —cada vez mais valorizada— pode e deve emergir.