Bruce Nauman e o corpo que é a obra
Falta muito ainda para a retrospectiva de Bruce Nauman no MoMA, mas é sempre bom lembrar o quanto esse artista é um cara completo. Enquanto o museu nova-iorquino prepara uma retrospectiva do americano para 2018, seus famosos neons estão agora na Bienal de Veneza fazendo um par mais do que perfeito com instalações do argelino Adel Abdessemed, um dos pontos altos da mostra italiana. Em São Paulo, mesmo um tanto escondido, um vídeo seu pode ser visto agora na mostra “Imaterialidade”, no Sesc Belenzinho.
Entre a performance e a instalação, Nauman é um dos nomes mais inventivos da arte. Nos vídeos que fez, realizando performances para a câmera, elevou as noções de body art para um novo patamar, fundindo ato e registro, corpo e obra. Diante da câmera e na textura granulada da película, Nauman se transformava em escultura maleável, um corpo moldado pelas necessidades plásticas na solidão de seu ateliê. Num mundo ultramediado, em que tudo é visto através de objetivas e reproduzido em telas de plasma, Nauman hoje parece profético. Sua presença, não importa em que suporte, é mais do que plástica. Ela transborda do quadro com potência e viscosidade quase palpável.
Seu discurso sobre a podridão do sonho americano, inebriado pela bonança ao mesmo tempo em que parece engasgar com a violência que sustenta esse esse estilo de vida, permanece atual. Em Veneza, suas mandalas tétricas e luminosas piscam com os dizeres “raw” e “war” ou “eat” e “death” diante dos facões fincados no chão como estranhos arbustos enferrujados por Abdessemed. Tudo em Nauman parece atravessado por uma voracidade incômoda, embora ao mesmo tempo construído no registro sedutor, mais palatável impossível, do cinema e dos neons publicitários.
Na mostra “Imaterialidade”, seu vídeo “Walking in an Exaggerated Manner Around the Perimeter of a Square” também ilustra com certo humor cáustico suas noções de volume, tempo e espaço. Ele requebra em torno desse quadrado, seguindo à risca as medidas colocadas no chão, mas tudo parece meio doloroso, forçado, como se no fundo Nauman apontasse o dedo para a inadequação de certas coreografias artísticas. Um corpo que não cabe no espaço, tal qual um artista que não se dobra, parece estar no cerne de tudo.
Também em chave irônica, seu autorretrato como fonte, em que se fotografa cuspindo um jato de água, é outro exemplo quase camp, meio afetado mesmo, de seus contundentes diagnósticos do atrito entre meio e mensagem, forma e função, presença e representação. Mais sutil, um poema do artista que até onde eu sei continua sendo distribuído de graça em folhas cor-de-rosa no Dia:Beacon, nos arredores de Nova York, não deixa de ter a mesma força. Ali, versos mandam pressionar o corpo contra uma parede até não poder mais. No final, ele adverte que isso pode se tornar um exercício meio erótico.