Artista espanhol Alain Urrutia lança olhar estrangeiro e movediço sobre SP
Está acabando, mas vale a pena correr até a rua dos Pinheiros para ver uma pequena mostra do artista espanhol Alain Urrutia, sua estreia em São Paulo. Não é qualquer estreia, já que o artista aqui construiu toda a exposição com base no que viu e aprendeu sobre a metrópole numa estada de um mês. Mesmo minúsculo, o Kunsthalle é um espaço que vem crescendo no cenário artístico com mostras que contrariam a lógica de encher uma galeria para tentar e vender tudo no vernissage a colecionadores atrás da última moda.
Nada contra o mercado. Todos nós vivemos dele, querendo ou não, bem ou mal. Mas as obras de Urrutia ali não estão à venda porque foram pintadas direto na parede do centro cultural. Logo serão apagadas para a mostra que vem a seguir. É talvez nessa iminência da desaparição que seus trabalhos ganham mais força. Desaparição, aliás, parece ser um tema central de seu trabalho, que lida com a memória e suas portas de acesso movediças.
Nas paredes, Urrutia pintou, por exemplo, um fragmento de uma fotografia das mãos de Lina Bo Bardi. Ao lado, uma estampa copiada da pintura corporal dos índios que viu num livro. Noutro cantos estão uma mula sem cabeça, referência à lenda nacional, e um fotograma do clássico “São Paulo S/A”, distopia paulistana que Luís Sérgio Person filmou há meio século.
São impressões de São Paulo filtradas pela memória cultural, ícones da cidade que informam os elementos plásticos da cidade, ou um “contraste máximo entre pobreza absoluta e riqueza máxima”, que Urrutia conta ter observado por aqui, um lugar que, na opinião do artista, ofusca até mesmo Chicago, Los Angeles, Nova York, Xangai, Pequim, Londres e Paris pela sua escala.
“Tentei evitar clichês, buscar representar essas ideias para além dos ícones e do olhar de um europeu”, conta Urrutia. Tudo se encaixou quando foi ao Masp e deu de cara com o parque Trianon do outro lado da Paulista. “Entendi que aquilo definia São Paulo, que surgiu num país que tinha como origem a selva, a ideia de Pindorama.” Daí para o filme de Person foi um pulo, ou seja, a ideia de representar a “selva de pedra” pela indústria automobilística.
Símbolos à parte, a técnica de Urrutia, uma pintura mural quase toda enegrecida, chama a atenção quando vista no espaço imaculado e vazio da galeria. Ele parece sabotar essa arquitetura ocupando as paredes, que perdem a natureza de simples suporte. Pelas mãos dele, o espaço todo vira uma escultura atravessada de memórias, elas mesmas frágeis, longínquas, já que filtradas pelas camadas do tempo e pelo olhar inevitável de um estrangeiro.