A vitória de Aravena e a estilização da pobreza
Desde que o crash de 2008 tirou a arquitetura da rota de extravagância que vinha trilhando desde os anos 1990, culminando nos excessos dos starchitects no início deste século, o mundo vem celebrando cada vez mais nomes menos espalhafatosos e mais voltados para a solução de crises urbanas. A escolha do chileno Alejandro Aravena como vencedor do Pritzker, maior prêmio da arquitetura, anunciado nesta semana, parece reiterar a necessidade cada vez mais urgente de desviar a arquitetura de sua propensão a floreios e exercícios formais para um curso mais utilitário, imediatista e, há quem diga, altruísta.
Vejo com bons olhos a vitória de Aravena. Nunca é demais enquadrar a arquitetura como plataforma de soluções, mas também não vejo como problema arquitetos que trabalham com a lógica do espetáculo quando o fator de choque, deslumbramento ou “star power” de um projeto seja parte da pauta. O pensador e crítico norte-americano Hal Foster, numa entrevista que fizemos no ano passado, atacou como “ardilosos” os casos em que os prédios, em especial os museus, aparecem mais do que o conteúdo que foram destinados a abrigar —caso do Museu do Amanhã, obra de Santiago Calatrava recém-inaugurada no Rio, e da Fundação Louis Vuitton, gigante de vidro de Frank Gehry em Paris.
Famoso por obras de habitação de interesse social, em especial pela lógica de puxadinhos da Quinta Monroy, no Chile, em que os próprios moradores terminam de construir suas casas, Aravena tem tudo para agradar uma classe que vem sendo cobrada cada vez mais por uma presença menos egoísta e mais produtiva no mundo. Não espanta que Shigeru Ban, arquiteto japonês também conhecido por uma arquitetura talhada para enfrentar desastres naturais, tenha vencido o Pritzker quando Aravena fazia parte do júri do prêmio. E chama mais a atenção que um ano depois de ter deixado a organização do prêmio ele tenha vencido a honraria —despertando até um comentário irônico de Ban nas redes sociais.
Não é nova, embora seja muito interessante, a estratégia de Aravena de dar maior autonomia aos ocupantes de suas residências. Mas talvez a maior vitória desse último Pritzker seja menos o reconhecimento individual do chileno e mais o deslocamento do foco para a América Latina. Sem querer levantar bandeiras, fazia tempo que a atenção do mundo da arquitetura se voltava para essas bandas. Não haveria motivo para tanto não fosse o caso de experimentos conduzidos por aqui, em especial na Colômbia, no México e no Paraguai, merecer de fato mais atenção —os colombianos Carlos Pardo e Camilo Restrepo, por exemplo, ajudaram a redesenhar a experiência arquitetônica na complexa trama urbana de Medellín.
Mas há outro lado da vitória de Aravena que desperta um tanto de cautela. Numa conversa em São Paulo há três anos, quando já muito se falava na guinada da arquitetura para o social, conversei com Restrepo, o mexicano Luís Aldrete, o costarriquenho Carlos Jiménez, do júri do Pritzker, entre outros, sobre potenciais perigos da exaltação da arquitetura social, que poderia também resvalar numa “estilização da pobreza”. Em São Paulo, metrópole onde a falta de moradia para quem mais precisa é um problema urbano candente, obras de habitação social nunca são demais. Mesmo com toda a dificuldade e montanhas de burocracia, alguns projetos brilhantes, como os conjuntos habitacionais desenhados por Héctor Vigliecca e Artur Katchborian e Mario Biselli em Heliópolis, puderam sair do papel. Espero que parte dos holofotes que agora brilham sobre Aravena possam iluminar também outras boas ideias como essas.