A era dos museus-Disneylândia e museus-boate

Silas Martí
Visitantes tiram fotos com réplica gigante de cadeira de Gerrit Rietveld no CCBB
Visitantes tiram fotos com réplica gigante de cadeira de Gerrit Rietveld no CCBB

Um amigo do Facebook postou outro dia um comentário reclamando do que chamou de infantilização do público nas grandes mostras que vêm ao país. Ele falava da retrospectiva de Piet Mondrian e seus colegas do movimento De Stijl agora no Centro Cultural Banco do Brasil. Não sei se chamaria isso de infantilização, mas é inegável que esses brinquedos, atividades interativas inspiradas nas obras ali mostradas e cenários criados para servir de pano de fundo para selfies despertam o lado mais eufórico de quem visita exposições.

Mondrian não está sozinho. E esse tipo de coisa aparece cada vez mais, e de formas cada vez mais espalhafatosas, em tudo que é exposição. É também a parte que eu tento evitar. Tento desviar o caminho, ignoro, não presto atenção. Na verdade, não tenho a menor paciência diante do que muitas vezes é um monte de tralha no meio do caminho para uma exposição. Sem querer ser chato, mas já sendo, acho um saco a transformação do museu numa Disneylândia infernal.

Mas sei que não estou sozinho. E sei que muita gente que não tem o costume de frequentar esses espaços acaba sendo atraído para essas grandes exposições por causa da selfie do amigo que viu no Instagram. Pelas redes sociais, a obra ou o brinquedo disfarçado de obra ganha aspectos de país das maravilhas. Estar ali e registrar o momento tentando chamar o máximo de atenção possível acaba virando outro aspecto da experiência artística.

Tudo bem que esse é o aspecto que menos me interessa, mas entendo por que museus, dos sérios aos mais caça-níqueis, se esforçam para inventar algo do tipo a qualquer custo. Lembrando que dez entre dez dessas mostras gigantes dependem em grande parte de recursos incentivados, seria ingênuo não pensar que essas estripulias também não se enquadram, com muito esforço retórico, é claro, nas rubricas de democratização do acesso à arte ou contrapartida social —parece ter virado o atalho mais seguro para garantir esses pontos no edital que os técnicos do Ministério da Cultura precisam aprovar antes que os patrocinadores comecem a tirar a mão do bolso.

Questões legais à parte, sempre gostei de ver crianças em museus. E acho importante que esse público seja contemplado sempre, só que de forma inteligente. Talvez o espetáculo que tanto irrita nos dias de hoje é que nós adultos, jovens ou não, também vivemos numa era de gratificação instantânea e quebramos o decoro, digamos assim, com facilidade desconcertante. Isso incomoda quem achava que fosse só ver uma exposição. Num grau talvez até mais crítico, também abala a aura sagrada que esperamos encontrar nos ditos templos da arte.

Ideia mais antiquada, impossível. Não preciso nem dizer que a arte, desde Marcel Duchamp ou desde a dobradinha Marina Abramovic e Jay Z, para alguns, desceu do pedestal. Estamos fadados a um presente e futuro de museus-Disneylândia, museus-boate, museus-butique. Nisso, há coisas boas e ruins. Se arte virou uma coisa mais mundana, que ela passe a ter maior relevância na agenda da sociedade, não só na dos colecionadores, artistas, galeristas e críticos. Quando isso acontecer, talvez nem seja mais necessário criar tantas armadilhas de distração em torno dela.

Nova marca da Pinacoteca do Estado
Nova marca da Pinacoteca do Estado

Essa ideia de tornar os museus mais amigáveis, aliás, está por trás da nova marca e estratégia visual da Pinacoteca do Estado, que agora quer ser chamada de Pina. De acordo com o museu, seus frequentadores sempre se referiram assim ao museu. Tenho o hábito de visitar a Pinacoteca desde que era criança e nunca chamei aquele lugar de Pina. Nada contra a novidade, mas não acho que faça muito sentido o apelido. Nas redes sociais, a mudança repercutiu mal. Mas daí sou obrigado a dizer que aqueles que seguimos no Twitter, no Instagram ou no Facebook costumam ter opiniões afins. Quem sabe o público que chamava de Pina ou que não sabia o significado da palavra “Pinacoteca”, como sugeriu Paulo Vicelli, um dos diretores do museu, tenha achado ótimo.

Nesse ponto, fico em cima do muro. De qualquer forma, sendo Pinacoteca ou Pina, esse é um dos poucos museus que ainda não sucumbiram de vez à carnavalização das exposições. No fundo, acho a mudança inócua. Haters vão continuar dizendo Pinacoteca, enquanto os mais abertos às novidades talvez adotem o apelido que tentam emplacar como carinhoso.