Pussy Riot está de volta depois de banho de loja
Elas estão de volta, agora com um banho de loja. As garotas do Pussy Riot, coletivo de artistas e ativistas russas que já chegou a ir para cadeia por seus ataques à corrupção e aos abusos de poder na Rússia sob comando do presidente Vladimir Putin, lançaram nesta quarta um novo clipe em que parodiam um dos políticos do mais alto escalão da hierarquia do país acusado de enriquecimento ilícito. Quem não for versado nos —obscuros— pormenores do que se passa em Moscou talvez não se interesse por Yuri Chaika, procurador-geral do país, e as falcatruas de que é acusado nas redes sociais. Putin, é claro, tenta debelar o incêndio publicitário ironizando as acusações.
Nadezhda Tolokonnikova e as demais garotas do Pussy Riot, aqui em colaboração com o músico David Sitek da banda TV on the Radio, fazem o contrário. Querem escancarar em chave mais histriônica possível os absurdos da política russa. E não têm medo de voltar para prisão —há quatro anos, depois de invadir uma catedral cantando versos pedindo que a Virgem mandasse Putin embora, duas integrantes da banda acabaram no xadrez. Foram soltas num golpe de marketing, quando Putin tentou angariar apoio internacional para os Jogos Olímpicos de inverno.
Enquanto performances anteriores das Pussy Riots eram marcadas pelo improviso e pelo grau de perigo iminente, desta vez as artistas capricharam na produção. Vestindo uniformes que lembram roupinhas de aeromoça, mas na verdade evocando um figurino militar, elas conseguiram gravar o novo clipe num antigo salão usado para banquetes na extinta União Soviética, enganando os guardas, é claro, e também num cenário de prisão usado em dramas populares da televisão russa. Nos versos, elas cantam “seja fiel, obedeça a quem está no poder” e “sou patriota, amo a Rússia”.
Em minutos, o novo clipe ganhou os holofotes das redes sociais, sendo compartilhado pelo YouTube e tema de críticas favoráveis em revistas como “Time” e “Artforum”. É aí, no entanto, que está um certo problema. As Pussy Riots têm um séquito de fãs no cenário global. Viraram queridinhas de curadores e críticos de arte —aliás, merecem isso—, mas não conseguem atingir o principal alvo de suas mensagens subversivas, que é o povo russo.
Desde que Putin mergulhou a Rússia num estado cada vez mais autoritário, seguindo em especial a anexação da Crimeia e as manobras militares excusas em apoio ao ditador sírio Bashar al-Assad, a liberdade de imprensa no país foi extinta. É hoje quase um mito. Na Rússia, as redes sociais também são monitoradas, e vídeos como esse das Pussy Riots são vistos por uma parcela ínfima da população, no caso, só quem consegue instalar programas em seus telefones ou tablets para driblar a censura oficial. Jornalistas independentes que tentam descrever o estado das coisas naquele país, aliás, vêm fugindo para nações vizinhas nos Bálticos, por exemplo, para tentar operar dali uma plataforma de notícias. Mas enquanto as Pussy Riots seduzem o Ocidente com estripulias fashionistas e críticas ácidas e poderosas, a Rússia continua afogada na lama.