Mondrian, Oiticica e a arte de domar explosões
Hélio Oiticica e Piet Mondrian estão juntos no país. Enquanto uma exposição do holandês ocupa agora o Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a obra do brasileiro é alvo de uma retrospectiva no Espaço Cultural Airton Queiroz, em Fortaleza. Esse é um bom momento para entender como Oiticica partiu das vanguardas construtivistas europeias —em especial Malevitch, na Rússia, e Mondrian, na Holanda— para criar o que mais tarde se tornaria o neoconcretismo.
Bólide, um meteoro ou objeto inflamável que se move a grande velocidade, ganhou outro significado no vocabulário plástico de Oiticica. É a cor em sua forma mais pura, ou seja, o tom, sua forma e volume em estado bruto, de latência, a cor em potencial. A obra que ilustra este post, do acervo da Tate Modern, em Londres, é uma homenagem de Oiticica a Mondrian. Nela, o brasileiro usou os mesmos tons que o holandês usara em abstrações já no fim de sua vida, quando consagrado com suas pinturas de linhas negras encerrando quadrados em cores primárias.
De certa forma, os “Metaesquemas” de Oiticica, primeira série de pinturas a romper com a rigidez estrutural que o artista observara nos experimentos do Grupo Frente, já tinham um diálogo com as estruturas quadriculadas de Mondrian. Mas ele entendia que a pintura não podia ficar presa a um plano achatado, precisava se libertar dessas amarras a qualquer custo. Nesse sentido, para além de seus relevos espaciais, “Núcleos” e penetráveis, Oiticica fez do “Bólide” um objeto inquieto, é uma obra de arte dormente, que parece estar esperando para se manifestar.
Quem tiver a oportunidade de ver a mostra dedicada a Oiticica em Fortaleza, um amplo recorte de sua obra organizado por Celso Favaretto e Paula Braga, pode entender como sua pesquisa segue uma linha evolutiva clara, mas não programática. Tal qual o corpo do artista se liberta da vigilância e dos códigos de conduta do asfalto uma vez que ele sobe o morro da Mangueira, dando início aos “Parangolés” e mais tarde a instalação “Tropicália”, a pintura do artista ganha o ambiente oscilando entre a fúria dos “Relevos Espaciais” e a contenção explosiva dos “Bólides”.
Na mostra de Mondrian, organizada por Benno Tempel e Pieter Tjabbes, em São Paulo, também é possível observar como o artista holandês transforma o que no início parecem representações convencionais de paisagens num vocabulário preciso de cores primárias e linhas negras, uma depuração da forma que extrai do mundo seu esqueleto plástico.