Zaha Hadid e a arquitetura enquanto performance
Extravagante como as curvas e os ângulos dramáticos de suas construções, Zaha Hadid morreu, aos 65, nesta semana. Estive poucas vezes diante dela, não para entrevistas, mas em feiras de arte e aberturas de exposições que ela gostava de frequentar. Sua presença, tal qual sua arquitetura, é um tanto magnética. Impossível não olhar para ela nem para seus prédios estonteantes.
Hadid criou uma geometria orgânica, de formas que parecem se chocar umas com as outras sempre num equilíbrio um tanto precário, lembrando as curvas de Oscar Niemeyer, só que turbinadas pela pirotecnia do desenho à base de iMacs e seus softwares ultrapoderosos.
Desde seus primeiros projetos, como o posto de bombeiros da Vitra, firma de design na fronteira da Suíça com a Alemanha, Hadid trata o concreto como massa de modelar, alternando entre obras de angulosidade pronunciada e contornos mais voluptuosos que lembram o corpo da mulher.
Um de seus projetos mais marcantes, espécie de prelúdio à era das curvas mais ousadas, foi a sede da BMW em Leipzig, um complexo todo horizontal, que lembraria qualquer galpão de fábrica não fosse sua fachada de aspecto elástico, com uma curva que liga seus pavimentos.
Mais tarde, Hadid foi acentuando o caráter orgânico de suas construções, algo nítido em projetos como o Centro Aquático de Londres, construído para a Olimpíada de 2012, no centro cultural Heydar Aliyev, realizado no mesmo ano no Azerbaijão, e o parque Dongdaemun, de 2013, em Seul.
Da mesma forma que gostava de fazer aparições dramáticas, usando vestidos e joias que pareciam esculturas, Hadid pensava sua obra arquitetônica como elemento capaz de engendrar coreografias espontâneas. No lugar de corredores e escadas, tentava desenhar verdadeiras passarelas.


Seu parque em Seul, que lembra uma serpente com partes do corpo enterradas no chão, ou seu Museu de Arte do Século 21, inaugurado há seis anos em Roma, são exemplos claros de seu pensamento da arquitetura como performance, no caso, um ato arrasa-quarteirão.
Em Londres, não parei para ver sua construção olímpica. Mas em viagens a Roma e Seul fiz questão de conhecer suas obras, talvez as que mais evidenciam esse caráter de circulação enquanto performance. O museu italiano tem corredores sinuosos suspensos acima das galerias. Vistos debaixo, iluminados ao longo de toda a extensão, são traços luminosos no espaço. Enquanto o parque na metrópole sul-coreana é um desfile surpreendente de formas arredondadas.


Não espanta que ela tenha também desenhado peças de mobiliário e até sapatos. Nada funcionais e mais extravagantes —curadores reclamam que as paredes curvas do museu romano não se prestam à exposição de quadros—, as obras de Hadid viraram a coqueluche dos anos pré-desastre financeiro de oito anos atrás, símbolos de um momento viciado em ostentação.
É o oposto do que o circuito parece valorizar mais agora, na ressaca da bonança, com a próxima Bienal de Arquitetura de Veneza destacando projetos de habitação social. A morte precoce e repentina de Zaha Hadid coincide com ou fim ou a decadência de uma era de excessos.