Obra de artista alemã é dar férias aos funcionários

Silas Martí

Na porta da galeria Chisenhale, em Londres, um aviso diz que o espaço ficará fechado enquanto durar a mostra da artista alemã Maria Eichhorn. No caso, a interdição é a exposição, que dura o que seu título já anuncia “5 Weeks, 25 Days, 175 Hours”. O gesto da artista foi dar folgas aos funcionários, que estão proibidos de trabalhar até o término desse prazo, quase férias forçadas. Em sua crítica no “The Guardian”, Adrian Searle lembra que não é a primeira vez que isso acontece —em 1969, Robert Barry fechou uma galeria em Amsterdã e Michael Asher removeu a parede que separa o espaço expositivo do escritório dos funcionários numa galeria de Los Angeles em 1974.

No Brasil, lembro que Renata Lucas também fez coisa parecida, removendo paredes e divisórias que separam uma galeria de seu vizinho, no caso, uma oficina mecânica que ficava em frente à Millan e uma casa ao lado do espaço para exposições. Isso aconteceu já faz uma década.

Mesmo que o gesto de Eichhorn à primeira vista não pareça tão original, sua contundência parece estar não na questão arquitetônica, mas no jogar luz sobre a obsessão contemporânea pelo trabalho quando não a precarização da mão de obra que trabalha em galerias e museus. Hito Steyerl, artista alemã que estará na próxima Bienal de São Paulo, há tempos vem falando disso.

Mas me lembrei, lendo a crítica de Searle e outros artigos sobre a obra de Eichhorn, de conversas com gente que trabalha em galerias de arte. Soube que pouquíssimos dos funcionários pagos para não sorrir nas recepções gélidas de grande parte das galerias nem têm carteira de trabalho assinada. Muitos recebem seus salários por fora, em dinheiro vivo, às margens da contabilidade.

Não sei se é o caso da Chisenhale, mas por trás do glamour dos cubos brancos assépticos e obras a preços estratosféricos pode estar um mar de trambiques que vitimiza o trabalhador. Em tempos de crise econômica, com galerias que ameaçam fechar e a incerteza acumulada no horizonte, ouço cada vez mais histórias de horror de quem trabalha em instituições que precisam manter a pose a todo custo, mas não fazem questão de valorizar seus próprios profissionais no dia a dia.

Nesse ponto, obras como a de Eichhorn que tanta impressão causa agora em Londres, pode acabar entrando para a categoria “social practice”, ou ações de fim assistencialista que configuram verdadeiras intervenções na vida de pessoas reais, como vem fazendo Tania Bruguera em seus projetos em Cuba e nos Estados Unidos, Theaster Gates com o bairro que ajudou a reconstruir em Chicago e o coletivo britânico Assemble, que acaba de ganhar o Turner Prize, o maior das artes no Reino Unido. Nesse sentido, cinco semanas de férias é um luxo que só existe enquanto arte conceitual, nunca na realidade de quem trabalha nos bastidores do esplendoroso mundo da arte.