Pedro Victor Brandão no rastro do capital anônimo
Em tempos de Lava Jato e escândalos de corrupção, o artista Pedro Victor Brandão foi à Cidade do Panamá na tentativa de flagrar, tal qual os caçadores de feras do Discovery Channel, o estranho comportamento do capital. Na Dubai tropical, às margens do canal que junta o Atlântico ao Pacífico, os apartamentos das torres de vidro ficam quase sempre vazios —não passam de moeda de troca num mercado em que fortunas se formam e se desmancham na velocidade de um clique.
Fora das telas, uma marca conhecidíssima dos brasileiros também parece onipresente no país caribenho —em outdoors que rodeiam uma série de canteiros de obra por ali, o nome Odebrecht chamou a atenção de Brandão, que fez um vídeo e todo um ensaio fotográfico na cidade. Na obra que está agora na mostra “Lastro em Campo”, no Sesc Consolação, ele usou uma câmera sensível a movimento e temperatura, do mesmo tipo usado por biólogos estudando animais. No caso, o animal era ele mesmo tentando se infiltrar nos domínios da empreiteira brasileira. As legendas do filme, aliás, são frases motivacionais de um dos fundadores da empresa, Norberto Odebrecht, entre elas “o líder deve ser o primeiro a ser sacrificado”. Veja a seguir uma entrevista com o artista.
Pode falar sobre como começou esse projeto?
O plano era meio que visitar o país, visitar mais a Cidade do Panamá, onde deu para enxergar essa paisagem especulativa. Saquei que a maioria das obras de infraestrutura urbana do país são contratos com a Odebrecht. A empresa acaba tendo uma influência política por meio de doações de campanha e garante grandes obras de infraestrutura, como viadutos, aeroportos, grandes obras.
Qual é a ideia do vídeo que você fez na Cidade do Panamá?
É uma espécie de ficção, com imagens que foram capturadas lá, mais especificamente uma obra construída pela Odebrecht, que se chama Cinta Costera 3, um viaduto marítimo que liga nada a lugar nenhum e é meio que um colosso na cidade. Nesse vídeo, tem uma apropriação direta de algumas frases do Norberto Odebrecht, que é o avozão, o cara que ergueu a empresa nas décadas de 1950 e 1960, e ele tem uns manuais. Esse que eu usei é de 1968, um manual de tecnologia administrativa para grandes equipes. Ele tem umas aspirações filosóficas, é um livro quase todo feito de aforismos. O nome do livro é “De Que Necessitamos?”. Isso é uma coisa interna, mas eles vendem. É para estudantes de administração, direito administrativo. Eu comprei o livro diretamente com eles. Eles têm um site da Fundação Odebrecht que comercializa o livro.
Eu me apropriei de algumas frases do livro, que são as legendas do vídeo, apresentando a cidade nessa perspectiva meio Sim City, quase sempre vista de cima. Tem uma parte da cidade que é bem chocante, um centro financeiro que foi construído nos últimos dez anos e são uns prédios tipo Dubai, de 95 andares, que servem basicamente para garantir a segurança financeira dos cartéis mais perigosos do mundo. Está tudo vazio, todos os apartamentos estão vazios, funcionando como moeda corrente. É um bem imóvel que pode ser trocado por outras coisas.
E a série fotográfica? Qual é a relação com o vídeo?
O outro trabalho que está na exposição funciona como um experimento de ‘autoespionagem’, uma câmera que ficava com a gente o tempo todo, uma câmera usada para fotografar animais, que biólogos usam para monitorar a fauna. Ela é sensível ao movimento e ao calor.
A câmera registra um percurso feito durante esses dias em lugares abertos, ela documenta o percurso de uma forma meio íntima. Da mesma forma que a gente estava lá dando uma vigiada no que estava acontecendo nesse cenário que envolve Brasil e Panamá, a câmera estava observando a gente. Tem um debate sobre transparência e opacidade que o trabalho traz. Ao mesmo tempo que tem uma transparência maior, você não pode se negar a ser opaco em alguns momentos. As pessoas meio que consideravam o Brasil uma potência imperialista. E é doido ver como esse caso da Lava Jato coloca em xeque esse papel empreendedor do Brasil nesse momento e acaba colocando em xeque também o desenvolvimento econômico de toda a região. No momento em que essas empresas conquistaram um cenário internacional, isso foi cortado. Foi interessante ver de perto esses contratos acontecerem para ver em que momento político e econômico a gente está.
Você procurou alguém da Odebrecht para participar da obra ou comentar as construções em curso agora na Cidade do Panamá?
Não procurei ninguém. A gente conversou lá com alguns artistas, alguns jornalistas. Foi mais uma pesquisa independente, mas não teve nenhuma intenção de fazer entrevistas ou olhar o cenário. É mais uma observação que pode ser tanto documental quanto ficcional. É uma ficção especulativa.
O que mais chamou a sua atenção lá?
É louco ver como a presença de um capital anônimo movimenta essa cidade. A moeda oficial lá é o dólar. Tem uma moeda nacional, mas ela só serve como lastro turístico. É louco ver como o capital pode ser inventado e administrado da forma mais irresponsável possível.
Você considera essa obra um ataque à Odebrecht?
Não é um ataque. É muito mais uma observação especulativa, que leva esse estado de especulação e requalifica a palavra especulação, do que um ataque. Tem vários objetivos geopolíticos que a gente também não sabe, como o fato de a Lava Jato estar derretendo a hegemonia econômica do Brasil. Seria leviano fazer um ataque direto à delação premiada do próprio Marcelo Odebrecht.
Tem muita coisa que a gente não sabe, por isso acho interessante brincar com essa transparência. Tem uma frase do Norberto que é “onde há luz muito forte também há uma sombra muito forte”. É importante ver como a empresa se mantém fiel aos ensinamentos do grande líder.