Abertura olímpica começou bela e ousada, mas descambou para o populacho de um domingo na TV

Silas Martí

Não começou mal, mas queimou a largada. Quando a cerimônia de abertura da Olimpíada levou uma versão metalizada do que seriam os azulejos de Athos Bulcão em tamanho gigante ao Maracanã, segurei o pessimismo.

Mesmo em versão cafona, feita para a TV, a lembrança do artista que confiou a exuberância de suas composições ao acaso —os operários das obras decidiam a posição das partes de seus mosaicos sem seguir um esquema prévio— não podia ser mais acertada como ilustração de um país regido em grande parte pelo milagre.

Mais adiante, com os padrões coloridos e geométricos formados pelas projeções no palco, vi certa coerência, como se a maior de nossas vanguardas artísticas, o concretismo, fosse ali uma espécie de âncora da festa, um espetáculo forjado das cinzas da barbárie que foi o extermínio dos índios e a escravidão.

Toda a violência da construção do Brasil, de fato, foi apaziguada por nosso modernismo utópico, amnésico e fantasioso, como se a beleza nascesse das trevas, ou da adversidade, como já disse Hélio Oiticica. Isso, é claro, não deve ter passado pela cabeça de quem organizou a cerimônia olímpica, mas não deixa de ecoar um debate que aflora com força total na arte do país.

Os elásticos iluminados como alicerces de enormes ocas geometrizadas e as caravelas esqueléticas a adentrar o campo não fizeram feio. Nem as acrobacias dos dançarinos sobre prédios ao som de “Construção”, de Chico Buarque, que na festa reverberou mais que o surrado hino nacional —nossa canção mais triste nesses tempos de horror político.

Tudo desandou com o voo de um 14-Bis virtual sobre o Rio. Na sequência, o desfile chocho de uma Gisele Bündchen trajando papel alumínio inaugurou uma série de horrores, lembrando muito um programa de auditório. De repente, o Maracanã olímpico trocou o desbunde das projeções por um domingo na TV.

Quando Regina Casé apareceu de terno branco, quis chorar de tristeza. Levar a apresentadora do “Esquenta” a comandar o palco da abertura doeu. Dali em diante, até a harmonia visual da arena vista do alto despareceu e tudo descambou para uma gincana desorganizada e ruidosa, lembrando uma triste disputa de reality show ao vivo.

Mas, ao contrário dos melhores realities, nem ritmo a cerimônia teve. Momentos que poderiam arrancar lágrimas de emoção, como Elza Soares e seu “Canto de Ossanha”, foram abreviados. Enquanto outros, como a aula sobre aquecimento global, tiveram tempo hábil de conduzir o espetáculo ao mais absoluto tédio.

O inexplicável boicote da imagem da modelo transexual Lea T. abrindo alas para a delegação brasileira na transmissão pela TV amargou ainda mais a festa, neutralizando o que seria um gesto político.

Também tiveram passagem relâmpago pelo palco Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nem as baterias do samba no final serviram de lampejo de esperança para aplacar a tristeza de encarar essa Olimpíada que arranca em clima sombrio.