A propaganda e a fraude em Jeff Koons

Silas Martí

Jatos de leite e suco de fruta, lábios lustrosos e cabelos idem povoam as novas telas de Jeff Koons. Os clichês da publicidade que vende sonhos de consumo nunca brilharam tanto nas telas do artista famoso por esculturas imensas de cachorrinhos metálicos e outras obras espalhafatosas. Desde que surgiu, o americano vem dissecando a anatomia da propaganda, expondo os mecanismos e estratégias por trás de tudo feito para vender no país mais rico do mundo.

Herdeiro conceitual de Andy Warhol, Koons sempre foi avesso à profundidade real ou fajuta em seus trabalhos. Seu discurso, quase de vendedor, é que suas obras refletem nada mais que aquilo que retratam numa superfície reluzente, dos corpos rechonchudos de seus cãezinhos de aço inoxidável a telas que lembram impressões de outdoor, de tão discretas as pinceladas e os gestos. É como se Koons refletisse o pior do mundo no mais raso e vápido dos traços.

O homem que chamou de reflexão sobre o amor uma série de autorretratos em que aparece transando com sua ex-mulher, a estrela pornô italiana Cicciolina, acaba de mostrar numa das filiais da Gagosian, em Nova York, uma série de megapinturas em que produtos feitos para as massas são representados como fotogramas congelados do clímax de seus comerciais, os cabelos ao vento do anúncio de xampu, uma cascata de suco de laranja, lábios tingidos de batom cor de sangue, fatias de mortadela com sorrisos de mostarda.

Mas enquanto os clichês se avolumam na galeria, engolindo o público num turbilhão de imagens com o mesmo efeito de zapear por canais estridentes de televisão, um protesto mais silencioso corre por fora. Koons e a mais rentável de suas galerias, a Gagosian, agora são alvo de processos nos Estados Unidos por ludibriar colecionadores. O artista, como muitos comerciais, promete, mas às vezes não entrega.

Um comprador de suas obras cansou dos atrasos e acusa artista e galeria de usar pagamentos adiantados para quitar dívidas e juros passados em vez de financiar a produção caríssima dessas obras, resultando em atrasos de meses ou anos na entrega de trabalhos com preços que podem chegar a dezenas de milhões de dólares.

Toda a aura mística em torno de produtos banais que Koons sempre se esforçou para registrar e atacar, quando não enaltecer, em seus trabalhos agora parece ter se voltado contra a própria lógica de seu ateliê-fábrica onde dezenas de assistentes trabalham em esquema de linha de montagem para entregar suas criações a colecionadores ao redor do globo. Koons, como Warhol, virou uma celebridade, mas, ao contrário do ídolo da arte pop, pode ter acreditado demais na fama.